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Política

Lula vence em 97% das mil cidades mais pobres; Bolsonaro é vitorioso nas mais desenvolvidas

Entre os mil municípios com os piores IDHMs do País, ex-presidente é o mais votado em 977, enquanto o atual presidente conquistou 26. Dentre as mil cidades mais desenvolvidas, chefe do Executivo ganhou em 869 e petista, em 148

4 out 2022 - 15h25
(atualizado às 22h16)
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que obteve 57,2 milhões de votos válidos no primeiro turno da eleição presidencial, venceu em 97% das mil cidades mais desassistidas, em que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) não passa de 0,58. Nesse grupo, o petista foi o mais votado em 977 municípios, e obteve uma média de 75% dos votos.

Já o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), que terminou o primeiro turno em segundo lugar, com cerca de 51 milhões de votos, foi o mais votado em apenas 26 desses municípios (2,59%), com uma média de 37% dos votos. Os números apontam que a estratégia do governo Bolsonaro de usar a ampliação do benefício do Auxílio Brasil e outros benefícios sociais para famílias de baixa renda para angariar votos não funcionou como o planejado.

O cientista político Leandro Consentino, professor do Insper, destaca que, mesmo que exista uma correlação aparente entre a pobreza da cidade e a votação para Lula, não é possível avaliar esse fator como o único determinante, uma vez que outras variáveis, como religião, devem ser consideradas.

Ele lembra a análise do professor André Singer, da Universidade de São Paulo (USP), sobre a trajetória do lulismo, demonstrando que houve uma mudança de padrão de voto no decorrer do tempo. Segundo Consentino, ao longo das candidaturas de Lula, o PT deixou de ser um movimento fortemente associado à classe média e à chamada esquerda universitária para, a partir de 2006, depois das políticas de transferência de renda, como Bolsa Família, passar a representar o voto de parte da população mais vulnerável.

Contudo, lembra o cientista político, há um forte caráter de identificação personalista. "É o voto no Lula e não necessariamente no PT. E foram três candidaturas petistas, duas da Dilma Rousseff e uma do Fernando Haddad. Agora, com a volta do Lula como o rosto do PT, essa associação ressurge", disse. Para Consentino, a baixa votação de Bolsonaro nas cidades mais pobres pode significar uma rejeição por parte dos mais vulneráveis, que não se sentiram representados por suas políticas.

O fenômeno da distribuição de votos, entretanto, se inverte quando se olha para as cidades onde a qualidade de vida é maior - retratada com um IDHM maior ou igual a 0,73. Nessas localidades, Bolsonaro foi o mais votado entre os eleitores de 869 das mil cidades (86%). Nesse grupo de municípios desenvolvidos e concentrados no Sul e Sudeste, Lula foi o mais votado em apenas 148 (14,74%).

Em São Caetano do Sul (SP), cidade com maior IDH do País, entretanto, o candidato à reeleição reduziu o porcentual de sua votação. Neste ano ele venceu com 50,3% dos votos - em 2018, obteve 75,1%. Já em Melgaço (PA), município com menos de 10 mil habitantes e o menor IDH do País, a vitória foi de Lula com 64% dos votos - há quatro anos, Haddad também venceu, com 75,6% dos votos.

O professor do curso de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ricardo Luigi, ressalta que a ideia de desenvolvimento medida pelo IDH também inclui indicadores que vão além da perspectiva econômica, como a qualidade de vida, saúde e educação. Entram nesse contexto a possibilidade de os moradores exercerem a própria cidadania, por exemplo.

"O Brasil tem um desenvolvimento complexo em que coexistem avanços e retrocessos. Esse recorte das regiões mostra que o Brasil não pode ser determinado de forma simplista", afirmou. Segundo Luigi, o aumento da desigualdade divide as demandas dos grupos sociais. Em uma ponta, pode existir a ideia de que o Estado atrapalha as liberdades individuais e, portanto, sua diminuição seria celebrada; enquanto, na outra, a ausência de políticas públicas leva à insatisfação.

Regiões com menor IDH, portanto mais dependentes de equipamentos públicos, segundo o estudioso, podem ser mais sensíveis ao sentimento de redução do bem-estar, por exemplo. Isso, na opinião de Ricardo Luigi, eleva a insatisfação com o governo e pode levar o voto ao candidato da oposição. Já as cidades mais ricas possuem outras demandas.

"Dá lugar a uma ideia de que, quanto maior a atuação do Estado, maior o entrave ao desenvolvimento da liberdade individual", disse Luigi. Segundo o geógrafo, o presidente Jair Bolsonaro é associado a um recorte do pensamento liberal e, por isso, o voto nele pode ser predominante nos locais de maior IDH.

Para o cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Bruno Bolognesi, o voto dos mais pobres em determinados candidatos costuma ser baseado em interesses diretamente ligados às necessidades cotidianas. "Há uma racionalidade nisso. É preconceito sugerir que seja ignorância", afirmou.

Bolognesi argumenta que a votação de Lula em cidades com baixo IDH pode ser referente a um processo de memória de tempos mais fartos, que é reforçado pela campanha petista. Já em cidades mais desenvolvidas, com uma classe média maior e necessidades materiais parcialmente resolvidas, outros aspectos, como a religião, passam a pesar mais, segundo o cientista político.

Ele reitera que padrões geográficos são comuns em eleições presidenciais e não são uma exclusividade brasileira. "Na França, Emmanuel Macron teve mais votos nos centros e Marine Le Pen na periferia", destacou.

Bolognesi também lembra da virada registrada na eleição de 2006, a partir das políticas de transferência de renda, como um ponto de atenção na trajetória de Lula. O cientista político destaca que na votação para o primeiro mandato como presidente, em 2002, Lula teve mais votos concentrados no bloco Sul e Sudeste, mas esse perfil vai mudando ao longo do tempo. Também Bolsonaro, em 2018, teve uma votação mais expressiva no Nordeste, por exemplo.

O ex-presidente foi o candidato que venceu em um maior número de cidades neste ano. Ao todo, 3.376 municípios brasileiros optaram pela volta do petista ao poder; dentre eles 11 capitais: Salvador, Fortaleza, São Luís, Belém, João Pessoa, Recife, Teresina, Natal, Porto Alegre, Aracaju e São Paulo.

Bolsonaro foi vitorioso em 2.194 cidades - sendo elas 16 capitais: Rio Branco, Maceió, Manaus, Macapá, Brasília, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Velho, Boa Vista, Florianópolis e Palmas.

Nova Pádua, no Rio Grande do Sul, continua sendo a cidade mais bolsonarista do Brasil, como há quatro anos. Neste ano, no entanto, o porcentual de votação em Bolsonaro diminuiu para 86%. Em 2018 o então candidato do PSL venceu no município com 93% dos votos. Guaribas, no Piauí, também foi, neste ano, a cidade mais petista, como em 2018. Na votação de domingo, Lula obteve 92% dos votos. Ha quatro anos Fernando Haddad obteve 98% dos votos.

No primeiro turno, Lula e Bolsonaro atingiram maioria absoluta (50% dos votos mais um) em 85% dos municípios brasileiros. O petista ultrapassou esse patamar em 3.013 municípios, enquanto o seu adversário direto atingiu a mesma maioria em 1.761 cidades. Em 2018, Bolsonaro obteve a maioria absoluta em 1.987 municípios, enquanto Haddad atingiu ultrapassou o patamar de 50% em 2.010 cidades.

O Estadão calculou a correlação entre o domínio de votos petistas e bolsonaristas em cada município no primeiro turno da eleição deste ano, utilizando dados do Tribunal Superior Eleitoral, do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010 e cálculo de Pearson para correlação linear. / COLABOROU GUSTAVO QUEIROZ

Estadão
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